Movido pela acidez da palavra alheia ele retornara ao seu ofício, talvez o mais egoísta que pode haver.
Veja bem, cabia-lhe, por incumbência metafísica, divina ou irônica, preencher o vazio das páginas com palavras vis que traziam consolo ao desnudar a maldade que havia em cada esquina dos seus pensamentos.
Escrevia, lenta e dolorosamente, cada palavra arranhando-lhe a alma, derivando incessantemente do seu ser que diminuía conforme as linhas pretas corriam alegremente sobre o papel, via nas palavras seu refúgio, enxergava no consolo das frases que ninguém leria o jazigo da sua memória. Não precisava de estereótipos, não sentia o blues em sua alma, não precisava da última dose de Whisky, não era o último romântico, de fato, nem sabia se já havia sentido amor, sentia-se perdido e na incongruência de ser quem era sabia que era único.
"Ser único".
Meditava sobre o valor de tal afirmação, chegando a vagas conclusões que em nada lhe serviriam em vida.
Mudou.
Fez promessas aos céus e aos mortos, não seria o mesmo homem, não se deteria em complicações bobas de questões ainda mais fúteis. Cresceria, superaria o vazio que sentia através da maturidade.
-Quantos outros vivem com este buraco em meio ao peito?
Se perguntava, dia após dia, enquanto tentava sonhar até dormir, já que em seu sono não havia sonho.
Acordou, sempre acordava, odiava acordar, via que nada mudava, estava acorrentado ao mesmo lugar de sempre, cercado de possibilidades que nunca quis abraçar e de coisas que não queria fazer.
Odiava acordar, mas sempre acordava e vivia, empurrava a vida ladeira abaixo e tombava nos mais disformes encontros que a vida podia lhe proporcionar, achava graça, ria até, mas lembrava que vida levava e logo tratava de mudar.
Mudou.
Viu nos textos de um antigo amante as palavras que lhe cortaram o peito, percebeu então que nada nessa vida realmente é nosso, segurar o que puder não lhe parecia bom o suficiente, queria ter, mas não podia, ninguém pode. E então aconteceu:
Movido pela acidez da palavra alheia ele retornara ao seu ofício, talvez o mais egoísta que pode haver.