Abrira os olhos para tomar conhecimento das nuvens que se amontoavam sobre sua cabeça, as via, mas não queria enxergar que o inverno se instalara em sua vida e não lá fora.
A estranha fluidez com que o chão se movia sob seu corpo o fazia se sentir desconfortável, percebera enfim que não havia chão, e com a realização chegara o devaneio: não haviam estações, não se tratava de invernos e verões, estava à deriva, seu mundo se resumia em água, sal e medo.
Se perguntou o que faria se não havia o que enxergar, ou ao menos para onde ir.
Decidiu afogar-se em todos os cheiros e sensações que pudesse, fechou os olhos e afundou, embora sem sucesso, o sal amargara sua boca e fazia seus olhos arderem, impunham-lhe a condição e a eterna lembrança de como e onde estava, embora não soubesse como havia parado ali.
Passaram-se horas, dias, anos talvez, quem poderia dizer? Sentia-se mais leve enquanto a água acariciava suas costas, decidiu que mesmo sem saber para onde ir, se esforçaria, iria a algum lugar, mas onde quer que chegasse, sabia, carregaria consigo para sempre as lembranças e o sal do tempo em que apenas flutuava...
segunda-feira, 13 de agosto de 2012
Motiva
Até que ponto ainda esperamos o vislumbre de algo que ainda não sabemos?
Perseveramos onde antes caímos e transformamos nossas fraquezas em fortalezas;
Tudo testamenta que podemos, ainda que sem querer, passar pelos desapegos e atropelos de uma vida que não cansa de desapegar e atropelar.
terça-feira, 5 de junho de 2012
Encare
Feliz de olhos fechados, triste de olhos abertos, digo-lhes, pois:
Todo homem passa dois terços dos seus dias de olhos bem abertos, para, exaurido, fechá-los até que involuntariamente abra-os novamente.
2
Era apenas mais uma noite insólita em que sentia suas entranhas revirarem. O frio brincava como moleque travesso entre sua espinha e seu estômago, aumentando ainda mais o desconforto de existir.
Estava alheio a si mesmo, um espectador de uma vida qualquer, exceto que esta era sua. Sabia que deveria fazer alguma coisa, tomar as rédeas da sua vontade, mas seria trabalhoso demais. Os dias se arrastavam e ele os olhava enquanto morriam, percebeu que o vermelho do crepúsculo era nada mais que o jorro de sangue de uma estrela cuja morte e renascimento eram acontecimentos rotineiros.
"Como podem todos dormir sob uma estrela que morre, não se desesperam por estarem, a estrela e eles mesmos, fadados a um só caminho?" Pensava.
Não havia novidade, o mundo em toda sua diversidade não lhe oferecia prazer algum. Sabia que no grande esquema das coisas era descartável, que todos eram.
Então ela apareceu...
Mostrou-lhe tudo que lhe era familiar, deixou ser ensinada, torceu o nariz, mesmo sabendo que o desconforto seria o próximo passo, chorou e sorriu ao seu lado, bem como revelou-lhe coisas que sabia que ele não imaginaria ouvir.
Riram, trocaram afagos e tragédias, eram curiosos em suas formas embora fossem perfeitamente simétricos. Ele não entendia bem o que acontecia, como e por que motivo ela estava ao seu lado, a dor da existência diminuía conforme os seus problemas iam se dissolvendo, percebeu, então, o grande esquema das coisas: Ocupação.
O sol, em sua infinita bondade, existia para aquecer até o dia em que morresse, bem como a lua acalenta aqueles que já se aqueceram demais.
Tomou um gole de água, sentou em sua escrivaninha e com a maestria de um artista as linhas se desnudaram sobre o papel, suas vísceras expressavam exatamente o que sentia: Ela, ele, seus versos, tudo era a sua razão para existir.
Não fosse a insensatez em que vivia, sabia, não duraria um segundo a mais. Parou, pensou na expressividade de sua descoberta, no teor destruidor do que tinha acabado de realizar.
Não fosse a insensatez em que vivia, sabia, não duraria um segundo a mais. Parou, pensou na expressividade de sua descoberta, no teor destruidor do que tinha acabado de realizar.
Deitou-se e, para sua surpresa, rapidamente dormiu e sonhou...
sexta-feira, 1 de junho de 2012
( )
Movido pela acidez da palavra alheia ele retornara ao seu ofício, talvez o mais egoísta que pode haver.
Veja bem, cabia-lhe, por incumbência metafísica, divina ou irônica, preencher o vazio das páginas com palavras vis que traziam consolo ao desnudar a maldade que havia em cada esquina dos seus pensamentos.
Escrevia, lenta e dolorosamente, cada palavra arranhando-lhe a alma, derivando incessantemente do seu ser que diminuía conforme as linhas pretas corriam alegremente sobre o papel, via nas palavras seu refúgio, enxergava no consolo das frases que ninguém leria o jazigo da sua memória. Não precisava de estereótipos, não sentia o blues em sua alma, não precisava da última dose de Whisky, não era o último romântico, de fato, nem sabia se já havia sentido amor, sentia-se perdido e na incongruência de ser quem era sabia que era único.
"Ser único".
Meditava sobre o valor de tal afirmação, chegando a vagas conclusões que em nada lhe serviriam em vida.
Mudou.
Fez promessas aos céus e aos mortos, não seria o mesmo homem, não se deteria em complicações bobas de questões ainda mais fúteis. Cresceria, superaria o vazio que sentia através da maturidade.
-Quantos outros vivem com este buraco em meio ao peito?
Se perguntava, dia após dia, enquanto tentava sonhar até dormir, já que em seu sono não havia sonho.
Acordou, sempre acordava, odiava acordar, via que nada mudava, estava acorrentado ao mesmo lugar de sempre, cercado de possibilidades que nunca quis abraçar e de coisas que não queria fazer.
Odiava acordar, mas sempre acordava e vivia, empurrava a vida ladeira abaixo e tombava nos mais disformes encontros que a vida podia lhe proporcionar, achava graça, ria até, mas lembrava que vida levava e logo tratava de mudar.
Mudou.
Viu nos textos de um antigo amante as palavras que lhe cortaram o peito, percebeu então que nada nessa vida realmente é nosso, segurar o que puder não lhe parecia bom o suficiente, queria ter, mas não podia, ninguém pode. E então aconteceu:
Movido pela acidez da palavra alheia ele retornara ao seu ofício, talvez o mais egoísta que pode haver.
Veja bem, cabia-lhe, por incumbência metafísica, divina ou irônica, preencher o vazio das páginas com palavras vis que traziam consolo ao desnudar a maldade que havia em cada esquina dos seus pensamentos.
Escrevia, lenta e dolorosamente, cada palavra arranhando-lhe a alma, derivando incessantemente do seu ser que diminuía conforme as linhas pretas corriam alegremente sobre o papel, via nas palavras seu refúgio, enxergava no consolo das frases que ninguém leria o jazigo da sua memória. Não precisava de estereótipos, não sentia o blues em sua alma, não precisava da última dose de Whisky, não era o último romântico, de fato, nem sabia se já havia sentido amor, sentia-se perdido e na incongruência de ser quem era sabia que era único.
"Ser único".
Meditava sobre o valor de tal afirmação, chegando a vagas conclusões que em nada lhe serviriam em vida.
Mudou.
Fez promessas aos céus e aos mortos, não seria o mesmo homem, não se deteria em complicações bobas de questões ainda mais fúteis. Cresceria, superaria o vazio que sentia através da maturidade.
-Quantos outros vivem com este buraco em meio ao peito?
Se perguntava, dia após dia, enquanto tentava sonhar até dormir, já que em seu sono não havia sonho.
Acordou, sempre acordava, odiava acordar, via que nada mudava, estava acorrentado ao mesmo lugar de sempre, cercado de possibilidades que nunca quis abraçar e de coisas que não queria fazer.
Odiava acordar, mas sempre acordava e vivia, empurrava a vida ladeira abaixo e tombava nos mais disformes encontros que a vida podia lhe proporcionar, achava graça, ria até, mas lembrava que vida levava e logo tratava de mudar.
Mudou.
Viu nos textos de um antigo amante as palavras que lhe cortaram o peito, percebeu então que nada nessa vida realmente é nosso, segurar o que puder não lhe parecia bom o suficiente, queria ter, mas não podia, ninguém pode. E então aconteceu:
Movido pela acidez da palavra alheia ele retornara ao seu ofício, talvez o mais egoísta que pode haver.
quinta-feira, 5 de janeiro de 2012
Jaboticaba
Encontrei a menina dos olhos de jaboticaba.
- sabes pra onde vais?
perguntei.
-não.
respondeu.
-aceitas perder-te comigo?
-sim.
E assim, anos depois, estavam perdidos.
E assim, anos depois, estavam perdidos.
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